Oficial encarregado de conferir e verificar os títulos de nobreza, de declarar a paz ou a guerra e de fazer proclamações solenes.

20061125

QUASE DESERTORES...

No dia 26 de Dezembro de 1972, dois jovens irmãos, muito jovens, 20 e 22 anos, vagueiam sobre um frio cortante na Plaza Mayor de Salamanca, tinham passado a fronteira para o País vizinho clandestinamente e nessa altura já estavam na situação de desertores porque ambos serviam o exército Português. O mais velho estava na guerra na Guiné e o outro tinha sido mobilizado para Moçambique, os dois foram obrigados a interromper os seus estudos, por serem considerados uns agitadores perigosos e subversivos no liceu e na universidade, tinham passagens breves pelas prisões preferidas da PIDE/DGS, por acompanharem perigosos comunistas (nessa altura todos os opositores ao regime fascista eram comunistas) e terem sido encontradas literaturas proibidas nas suas residências. Nasceram com dois anos de difereça no mesmo dia, 29 de Dezembro, e os seus caminhos estavam a ser tão iguais que mais pareciam a sombra um do outro, tinham um amor, uma amizade e uma solidariedade tão grandes um pelo outro que o mais velho nem hesitou em pedir as suas férias, para evitar que o seu mano embarcasse no dia 6 Janeiro de 1973 para uma guerra tão estúpida, castradora e perigosa para a juventude dessa época. Estavam decididos a partir para Paris, tinham contactos de camaradas e amigos que os ajudariam a dar os primeiros passos nesta cidade e como muitos lá governariam a vida. Eram órfãos de pai, a mãe vivia para eles, nessa altura existia uma lei que dizia que uma mãe nestas condições não poderia ter mais que um filho na guerra colonial, mas apesar de se ter recorrido á lei, para esta mãe ela não se aplicava porque tinha que sofrer, por ter gerado e criado dois “comunistas”. Taciturnos, continuavam a caminhar no frio gélido da Plaza Mayor, que apesar de tão glaciar não arrefecia o calor dos seus corações e em unicíssimo gritaram: E a MÃE..! O mais velho tentou que o irmão seguisse viagem sozinho, argumentando que ele só tinha mais 8 meses para arriscar, enquanto o outro tinha pelo menos 2 anos de situações perigosas em que a sua vida poderia ser ceifada. O espectro duma despedida definitiva entre eles, provocou a desistência da deserção e o regresso a casa aonde a mãe sem saber de nada os aguardava com aqueles pressentimentos que só estas sentem, quando as suas crias correm perigo ou pressentem a sua perca. Festejaram o aniversário e a passagem de Ano juntos, juntos continuaram todas as horas, até á despedida, sem dizerem à mãe que o mais novo já tinha o seu destino marcado. O dia d, chegou, os irmãos despediram-se com uma lágrima no canto do olho, a mãe chorava os dois e não se cansava de repetir que sentia que tão cedo não os ia ver e o mais novo com o coração apertado simulou uma despedida de dias. A guerra não foi mais forte do que eles, voltaram com marcas, mas voltaram.

25 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelas palavras no meu espaço.Sempre serás bem vindo!
Gostei do texto muito mesmo. Ainda mais quando sabemos que a guerra não foi mais forte. Marcas...infelizmente sempre temos, sejam elas de uma guerra física ou das nossas próprias guerras.
Beijo carinhoso.
Eärwen Tulcakelumë

9:49 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Se tiveres um email, gostaria de te-lo, se não te importares.
(pode deletar esse comentário)
26.11.06

9:55 da tarde

 
Blogger Migas (miguel araújo) said...

Viva meu caro Arauto
São as marcas históricas dos tempos.
Este de um tempo que todos lamentamos, mas que, infelizmente, faz parte da nossa história e estórias.
Assim também o senhor meu pai, em 61/62 embarcava para Angola, com a feliz certeza de o ter sabido em pleno cais e ter tido a possibilidade de efectuar um último e único telegrama para o avô Cândido.
Com algumas marcas, mas felizmente para mim, também voltou.
Ainda hoje, bem crescidinho e de pêlo na benta, não consigo arrancar uma única estória desse tempo. Apenas memórias soltas e relatos banais.
Um abraço

11:26 da tarde

 
Blogger Anna D'Castro... said...

Meu querido Arauto, por motivo de trabalhos em teatro e cinema, estou um tanto afastada dos meus blogs por absoluta falta de tempo mas não posso deixar de visitar os amigos. E também agradecer a visita.
Quanto a este tema, vivi-o bem por dentro... Namorado que foi para Angola nos finais da decada de sessenta, regressou, mas... nunca mais foi o jovem sonhador, empreendedor e amoroso que partiu.
A guerra devolveu-o amargo, desconfiado, pessimista, descontrolado e solitariamente 'isolado no seu mundo'... quantos jovens morrendo por dentro da sua própria vida...
Nem é bom recordar.
Muito bem escrito este texto que me fez voltar a um passado que eu sempre tento esquecer... Umas vezes se consegue, outras nem por isso.
Beijos querido
Anna

5:58 da manhã

 
Blogger Al Berto said...

Viva Arauto:

Uma, entre milhares, história que acabou bem.
Mas tantas outras acabaram com o "regresso" de umas tantas pedras dentro dum caixão na tentativa de simular um funeral sem o corpo que por lá ficou.
Tristezas e vergonhas dum regime sanguinário, isolado, estúpido, violento e mesquinho.

Um abraço,

11:47 da manhã

 
Blogger filipe guerra said...

viva arauto:
gostei do texto, até pelo suspense que, mesmo em curtas linhas, este teve.
A história é veridica ou ficção. Lamento se esta pergunta reflecte alguma ingenuidade, mas fiquei curioso.
um abraço

12:33 da tarde

 
Blogger Unknown said...

Querido Arauto,
uma história comovente, sem dúvida... E a forma como tu a contas é maravilhosa. Tens um dom com as palabras!
Beijinhos!

5:51 da tarde

 
Blogger Arauto da Ria said...

Caro Miguel,
São estórias da história deste País.
Não se admire do senhor seu Pai, não contar nada da Guerra,porque normalmente os que mais sofreram, são aqueles que menos gostam de falar do assunto e os que não se arvoram de Heróis.
Tenho lido e falado muito sobre o tema, com pessoas que por lá passaram e creia que os que passaram a guerra nas Cidades são o que mais estórias têm e nunca lá deram um tiro.
Mas o drama não era só a guerra, eram tambem os sofrimentos colaterais que ela provocava e ainda provoca.
Um abraço.

1:42 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Caro JAM,`
É como diz, houve alguns que atingido por minas, pouco se aproveitava dos seus restos mortais e com estes e contrapeso eram enviados ás familias que muitas vezes estavam meses á espera para fazerem os funerais.
Esses tempos, mais de 40 anos de ditadura, foram vergonhosos e desumanos.
Um abraço

1:53 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Filipe Guerra,
Infelizmente a estória que narro, foi veridica, muito vivida, sofrida e muito sentida por uma "Mãe Coragem" como muitas que ainda existem e existiam no nosso País. Era muito dura a vida dessas mulheres, que viam partir os filhos,os maridos e os namorados, sem saberem se voltavam, para uma guerra estúpida e que não lhes dizia nada.
Leia comentário anad´castro.
Um abraço.

2:07 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Querida amiga Anna,
Confesso que já tinha saúdades de te ver por aqui, mas entendo pois com todo o trabalho não será fácil para ti alimentares os teus blogs,
mas voltaste e isso é que é importante, só lamento que tenhas vindo numa altura em que te fiz recordar tempos sofridos e tão vividos por ti.
Dos meus ilustres amigos que comentaram até agora, és a pessoa que mais experiência tem desses tempos, como dizes e bem, devolveram-te o teu namorado, transformado num ser que já não conhecias.
São as tais marcas que falo e que até hoje ainda perduram em milhares que passaram por lá.
O Setresse da Guerra Colonial, está instalado em mais 300 mil Portugueses e o desgraçado tira a qualidade de vida na sua plenitude a todos eles e tem quase 100 mil numa situação confrangedora.
Olha minha querida, mais uma vez as minhas desculpas e vive para essa linda profissão que tens e escreve um bocadinho para os amigos,pois penso que já todos temos saúdades dos teus escritos.
Até sempre,
Um beijo.

2:31 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Cris,
Linda poetisa, obrigado pelo comentário e pelas lindas palavras que me dispensas, mas quem me dera ter um pingo do teu talento, para deliciar os meus leitores.
Um beijo.

2:36 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Vera,
Hoje não consegui comentar no teu lindo canto, ou penso que não consegui, mas se assim for, agradeço-te aqui o teres-me transportado á minha infância e a tempos tão genuinos que agora são uma miragem.
Como é bom ler-te, tu sim és uma verdadeira diva, das tuas palavras soltas, a todos os meus amigos aconselho numa espreitadé-la pelo teu sítio, para sairem mais cheios.
Um beijão

2:47 da manhã

 
Blogger Luís said...

É impossível ler-se este texto e ficar indiferente. Arrepiado. É como me sinto. Pelo contacto tão real com uma realidade tão desconhecida.

11:59 da manhã

 
Blogger Angela said...

Eu digo sempre que a guerra é estúpida. E o teu texto só vem reforçar esta minha ideia. As guerras deixam marcas em todos os sentidos!

Realidades como esta que nos contaste não podem deixar ninguém indiferente! Mas as guerras continuam...

Beijo grande.

3:21 da tarde

 
Blogger Ana P. said...

Realidades...

Beijinhos

1:32 da tarde

 
Blogger Terra e Sal said...

Há sempre uma maneira diferente de ver...
É sabido que há em todos nós uma história pessoal ou familiar, que nos marcou profundamente...
Todos viveram o sofrimento daquela partida e daquela estadia quase infinita...
Ninguém esquece a mistura dos medos e valentia, vividos ou contados por outros...
Todos sabem o que é acção psicológica a mentes tenras, pobres e incultas maioritariamente, facílimas de moldar à conveniência de alguns...
Sabemos o que é na juventude, a ridicularização dos outros, sobre os medos...
As “lavagens” psicológicas constantes e permanentes ao cérebro...
"Eram homens particularmente especiais,pela especialidade, pela arma, pelo passado, pelo presente, e eram lusos, tinham pergaminhos..."

O Dever, Honra, e

Deus, Pátria, Família...
O orgulho de ser português

A guerra dá sempre o que há de mais estúpido e marca para sempre:
Vítimas que ainda hoje temos entre nós...
Vitimas que partiram e ainda hoje lembramos com o coração e as lágrimas...
Heróis que não foram reconhecidos no papel..
E alguns heróis que não foram, mas têm certificado disso...
Criminosos também houve, como em todas as guerras, mas não “constam”...
Uma guerra tem de tudo e dá para tudo...
Mas hoje à distância e quem viveu certamente compreenderá a estupidez de outros, tão atrasados como nós...
Reporto-me àqueles que se armadilham e se fazem explodir...
Também eles, um dia, tal e qual nós agora aqui, farão um post daquilo que passaram ou de que ouviram falar as famílias ou os amigos, e vão reconhecer de quão estúpidos foram...
Mas isso... só será feito um dia...

Gostei da sua explanação amigo Arauto,
vivida que tenha sido, ou não.
Cumprimentos.

1:57 da manhã

 
Anonymous Anónimo said...

Neste blog trocam-se muitos beijinhos e abraços...humm...

4:51 da tarde

 
Blogger Pé de Salsa said...

Olá, Arauto (da Ria)

Apesar de triste porque relata uma das muitas histórias "más" que se passaram antes do 25 de Abril, este seu texto está perfeito.
Escreve muito bem. Torna-se agradável ler as suas histórias que, se não descrevem situações reais, andam muito perto da realidade. Acredito mesmo que viveu algumas delas.

Aproveito para lhe agradecer as palavras que simpaticamente escreveu a meu respeito no meu canto.
Não regressei (ainda) mas vou tentar não desaparecer.

Continue a contar-nos essas histórias que tão bem conhece.
E os nossos jovens também gostam de saber do passado dos seus amigos e familiares mais velhos.

Um abraço.

11:31 da tarde

 
Blogger Arauto da Ria said...

Caro Luis,
uma realidade arrepiante como dizes,mas felizmente já há muito afastada da nossa juventude.
Penso que a grande alegria dessa gente, que passou por estes horrores,
é saber que os seus filhos e netos, não tem que passar pelo mesmo.
Um abraço

12:03 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Angela,
Esta como todas as guerras são estupidas, mas espero que seja a última a ser vivida por nós, a nossa juventude de hoje teria muitas dificuldades em aguentar tanta privação e sacrificio
Um beijo

12:12 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Caro Terra&Sal,
boa análise e maravilhosa ponte entre o passado e o presente.
Hoje ainda não fui ao seu canto, espero quue a "preguecite" já tenha passado, pois penso que compilado o que escreve em vários blogs, daria para fazer posts, que nos ensinariam muito.
Um abraço

12:21 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Pé de Salsa,
Obrigada pelo comentário e essencialmente pela aparição,deve
imaginar e está a sentir pelos comentários no seu sítio, o quanta falta faz neste mundo, os seus amigos reclamam a sua presença e eu particularmente já comecei a decorar visualmente os seus posts, ainda não cansei, mas já tenho saúdades das fotografias das palavras e de toda a harmonia e saber que nos oferecia.
Volte depressa.
Neste fim de semana vou encerrar este tema da Guerra Colonial, com mais uma situação veridica em pleno
campo de luta.
Um abraço.

12:35 da manhã

 
Blogger Saramar said...

Arauto da Ria, boa tarde.

Fiquei muito emocionada com este seu belo texto.
Admiro intensamente essa sua enorme capacidade de compaixão, algo tão raro nos homens modernos.
A estupidez da guerra é algo que me faz pensar em quanto o ser dito racional ainda precisa evoluir. Porém, sinto que quanto mais evolui, mais sanguinário e individualista se torna. É uma contradição cuja explicação me escapa.

Obrigada por esta aula.

beijos e saudades.

3:12 da tarde

 
Anonymous guerraoupaz.realficcao said...

Olá. Faço pesquisa para um documentário sobre pessoas que fugiram à Guerra Colonial. Gostaria de poder falar-lhe pessoalmente. Por favor queira contactar-me em guerraoupaz.realficcao@gmail.com

Obrigada, cumprimentos Marisa Marinho

3:14 da tarde

 

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