UM NACO DE RESISTÊNCIA
Há tantos anos, inicios de 73.Café Piolho a abarrotar, Largo dos Leões, com movimento de pessoas mais intenso que o normal, meeting de estudantes na Faculdade de Ciências, ambiente tenso, a reunião de estudantes à hora aprazada começa, confusão, cargas policiais, fugas e perseguições, fogo em duas salas de aulas, um inferno itinerante.
Prisões de estudantes que também já tinham participado numa manifestação fugaz na Avenida dos Aliados, partindo montras principalmente dos Bancos. O movimento estudantil do Porto pela primeira vez tem uma reacção condigna com as dos seus colegas de Lisboa e Coimbra, a morte de Ribeiro dos Santos e a onda de prisões nestes movimentos, assim o exigia. Nesta cidade a vaga de prisões continua, os que escaparam destas acções e que já tinham indícios de serem subversivos, são visitados e revistadas as suas residências, ao menor indício, um livro ou um jornal comunistas, eram suficientes para justificar a detenção.
Um jovem caloiro de 18 anos é preso, segundo a PIDE, já tinha sido um rebelde perigoso no liceu, tinha o livro O CAPITAL de Karl Marx e acompanhava perigosos comunistas. Sem saber como, vê-se a residir em Custoias. A primeira semana foi espancado e experimentou várias sevícias que já lhe eram familiares por já lhe terem sido descritas, os esbilros da PIDE queriam saber coisas que ele sabia e não sabia. Ele com estoicismo vai resistindo e repetindo frases há muito gravadas no seu subconsciente, “não sei, não vi, não conheço”, gritos de dor e revolta e ás perguntas, respondia sempre o mesmo. Já exausto, com a dor a trespassar-lhe por todo o corpo é-lhe administrada a ultima pérola das tiranias, choques eléctricos nos órgãos genitais, a dor é lancinante e o seu disco continuava riscado, esgotado e a sussurrar, repetia a cada pergunta “não sei, não vi, não conheço”, conforme o sentido da interrogação, ao longe ouviu um dos tortura dores a vociferar, “arranca os tomates a esse filho da pu.. e assim acaba-se-lhe com a raça”.
Acordou num cubículo escuro em que os dias das noites só desvirginam do tilintar das marmitas com uma lavagem ás horas das refeições, são longos e lentos os segundos a passar e perdeu a noção do tempo, isolamento total, passavam os dias sem saber quantos. O dia de ver o Sol chegou, passados 37 dias, orgulhoso por ter um comportamento condigno, tinha resistido e não tinha delatado ninguém, para traz ficava a enxerga empestada de pulgas e percevejos, as marmitas e aquelas dores..! Mas cá fora estava a família, os amigos, os camaradas e a luta iria continuar.
Um jovem com um sentido de camaradagem e solidariedade exemplares, com um sentido de responsabilidade apuradíssimo, voltou a ser preso noutra acção de maior responsabilidade, Peniche foi o seu destino, mais torturas e muitas dores, viu o Sol novamente, um dia depois da Revolução dos Cravos, hoje é um ilustre desconhecido, um HOMEM feliz, mas amargurado com as injustiças, que o POVO por quem tanto lutou, ainda sofre.
6 Comments:
O Piolho, é impossivel passar n"os Leões" e não olhar para o piolho... Histórias e mais hstórias. "Na memória dos presentes...a saudade dos que partiram", escrito em mármore na parede do Piolho, claro.
Que boa resistência teve o Porto. Ainda nos anos 50, mas prncipalmente no fim dos anos 60 e inicios dos anos 70. Podia derreter não-sei-quantos-caracteres a contar histórias.
O "Homem feliz", porque a felicidade também é daqueles que, de cara ao alto, fizeram o que melhor podiam. Pelo herói colectivo, o povo.
um abraço
p.s.-penso trocou o nome do morto, ao invés de Saldanha Sanches, o falecido foi Ribeiro dos Santos (estudante de Direito em Lisboa)
11:50 da tarde
Filipe Guerra, obrigado pelo alerta, foi na realidade o Ribeiro dos Santos, até a memória se vai.
Um abraço.
12:42 da manhã
Meu Caro Arauto:
Fantástica a sua narração, penso que nada mais há acrescentar.
Todos nós sabemos histórias boas, más, tenebrosas que viveram pessoas conhecidas, desconhecidas e muitos amigos do coração...
Muitos têm de si próprios histórias que guardam para si.
Umas de tortura e sofrimento, outras, de rebelião e estratégias de destabilização policial e governamental.
A década de 60 foi de algum modo e por diversas circunstâncias, anos dourados e repassados de acontecimentos.
Bons “rapazes” anónimos cá de Aveiro, também deram o seu contributo nos anos “68/69/70” e bateram com as “costas na polícia” e logo a seguir na “tropa”, depois no “Ultramar” porque eram uns “desordeiros” e “mentores de instabilidade” nas Faculdades.
Hoje andam pela cidade, alguns de cabelos grisalhos, outros descabelados, e são naturalmente, e muito bem, cidadãos comuns, mas à sua maneira, deram ou pagaram um “tributo” de que hoje todos beneficiamos, bem como os seus filhos e netos...
Tempos tristes e alegres (porque não dizê-lo) em que a juventude vivia com outras motivações...
As preocupações do coração dos pais de então, eram diferentes...
A aflição e o orgulho (escondido) conjugavam-se...
Seriam melhores ou piores que aquelas que os pais de hoje vivem?
São tempos idos, que penso não voltarão mais, mas que nunca é demais recordar...
Recordá-los como você, meu bom amigo, muitíssimo bem fez...
O “Piolho” e até o “Aviz” são sempre referências...
Um abraço.
12:44 da manhã
Amigo Terra&Sal,o Aviz era realmente uma referência, mas o Nosso Café, mais tarde Mandovi, assim como o grupo do Cineclube, que muitos paravam por estas bandas,eram marcos importantes. Nestes e no Piolho, os jonais Répública, Diário de Lisboa e a revista Seara Nova, passavam de mão
em mão, para serem lidos.Nem todos tinham dinheiro para os comprar.
Gosto de recordar esses tempos, para me lembrar dos amigos.
Um abraço.
3:34 da manhã
Caro Filipe Guerra,debite alguns dos caratéres dos milhares que era capaz de escrever, para nos deleitar com histórias desses tempos, sabe que sinto uma nostalgia muito grande e uma saúdade enorme dessa gente.
Tive a felicidade de conviver e aprender com essa gente desde os 14 anos, que grandes Mestres.
Um abraço.
3:46 da manhã
Meu caro Arauto
Em 68/69/70 tinha este seu amigo os relevantes 2-3 e 4 anos de muita idade.
Mas não pense que o associativismo estudantil apenas se reduz com o vosso notável esforço e combate. No final da dévcada de 70 e até meados da década de 80 também foi importante e, pelo menos bem vivido pelos lados do Liceu José Estêvão.
Eu sei que o vosso foi predominante. Mas também o foi pela realidade social-política e cultural que vocês viviam, à data.
No entanto, só pelos vossos relatos e pelas memórias escritas posso deslindar essa realidade.
Assim, só me vem à memória uma frase batida: Só perde quem não luta, mesmo que a luta significa derrota.
Um abraço
10:12 da tarde
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