Oficial encarregado de conferir e verificar os títulos de nobreza, de declarar a paz ou a guerra e de fazer proclamações solenes.

20061104

UM NACO DE RESISTÊNCIA

Há tantos anos, inicios de 73.Café Piolho a abarrotar, Largo dos Leões, com movimento de pessoas mais intenso que o normal, meeting de estudantes na Faculdade de Ciências, ambiente tenso, a reunião de estudantes à hora aprazada começa, confusão, cargas policiais, fugas e perseguições, fogo em duas salas de aulas, um inferno itinerante. Prisões de estudantes que também já tinham participado numa manifestação fugaz na Avenida dos Aliados, partindo montras principalmente dos Bancos. O movimento estudantil do Porto pela primeira vez tem uma reacção condigna com as dos seus colegas de Lisboa e Coimbra, a morte de Ribeiro dos Santos e a onda de prisões nestes movimentos, assim o exigia. Nesta cidade a vaga de prisões continua, os que escaparam destas acções e que já tinham indícios de serem subversivos, são visitados e revistadas as suas residências, ao menor indício, um livro ou um jornal comunistas, eram suficientes para justificar a detenção. Um jovem caloiro de 18 anos é preso, segundo a PIDE, já tinha sido um rebelde perigoso no liceu, tinha o livro O CAPITAL de Karl Marx e acompanhava perigosos comunistas. Sem saber como, vê-se a residir em Custoias. A primeira semana foi espancado e experimentou várias sevícias que já lhe eram familiares por já lhe terem sido descritas, os esbilros da PIDE queriam saber coisas que ele sabia e não sabia. Ele com estoicismo vai resistindo e repetindo frases há muito gravadas no seu subconsciente, “não sei, não vi, não conheço”, gritos de dor e revolta e ás perguntas, respondia sempre o mesmo. Já exausto, com a dor a trespassar-lhe por todo o corpo é-lhe administrada a ultima pérola das tiranias, choques eléctricos nos órgãos genitais, a dor é lancinante e o seu disco continuava riscado, esgotado e a sussurrar, repetia a cada pergunta “não sei, não vi, não conheço”, conforme o sentido da interrogação, ao longe ouviu um dos tortura dores a vociferar, “arranca os tomates a esse filho da pu.. e assim acaba-se-lhe com a raça”. Acordou num cubículo escuro em que os dias das noites só desvirginam do tilintar das marmitas com uma lavagem ás horas das refeições, são longos e lentos os segundos a passar e perdeu a noção do tempo, isolamento total, passavam os dias sem saber quantos. O dia de ver o Sol chegou, passados 37 dias, orgulhoso por ter um comportamento condigno, tinha resistido e não tinha delatado ninguém, para traz ficava a enxerga empestada de pulgas e percevejos, as marmitas e aquelas dores..! Mas cá fora estava a família, os amigos, os camaradas e a luta iria continuar. Um jovem com um sentido de camaradagem e solidariedade exemplares, com um sentido de responsabilidade apuradíssimo, voltou a ser preso noutra acção de maior responsabilidade, Peniche foi o seu destino, mais torturas e muitas dores, viu o Sol novamente, um dia depois da Revolução dos Cravos, hoje é um ilustre desconhecido, um HOMEM feliz, mas amargurado com as injustiças, que o POVO por quem tanto lutou, ainda sofre.

6 Comments:

Blogger filipe guerra said...

O Piolho, é impossivel passar n"os Leões" e não olhar para o piolho... Histórias e mais hstórias. "Na memória dos presentes...a saudade dos que partiram", escrito em mármore na parede do Piolho, claro.
Que boa resistência teve o Porto. Ainda nos anos 50, mas prncipalmente no fim dos anos 60 e inicios dos anos 70. Podia derreter não-sei-quantos-caracteres a contar histórias.
O "Homem feliz", porque a felicidade também é daqueles que, de cara ao alto, fizeram o que melhor podiam. Pelo herói colectivo, o povo.
um abraço

p.s.-penso trocou o nome do morto, ao invés de Saldanha Sanches, o falecido foi Ribeiro dos Santos (estudante de Direito em Lisboa)

11:50 da tarde

 
Blogger Arauto da Ria said...

Filipe Guerra, obrigado pelo alerta, foi na realidade o Ribeiro dos Santos, até a memória se vai.
Um abraço.

12:42 da manhã

 
Blogger Terra e Sal said...

Meu Caro Arauto:
Fantástica a sua narração, penso que nada mais há acrescentar.
Todos nós sabemos histórias boas, más, tenebrosas que viveram pessoas conhecidas, desconhecidas e muitos amigos do coração...
Muitos têm de si próprios histórias que guardam para si.
Umas de tortura e sofrimento, outras, de rebelião e estratégias de destabilização policial e governamental.

A década de 60 foi de algum modo e por diversas circunstâncias, anos dourados e repassados de acontecimentos.
Bons “rapazes” anónimos cá de Aveiro, também deram o seu contributo nos anos “68/69/70” e bateram com as “costas na polícia” e logo a seguir na “tropa”, depois no “Ultramar” porque eram uns “desordeiros” e “mentores de instabilidade” nas Faculdades.

Hoje andam pela cidade, alguns de cabelos grisalhos, outros descabelados, e são naturalmente, e muito bem, cidadãos comuns, mas à sua maneira, deram ou pagaram um “tributo” de que hoje todos beneficiamos, bem como os seus filhos e netos...
Tempos tristes e alegres (porque não dizê-lo) em que a juventude vivia com outras motivações...

As preocupações do coração dos pais de então, eram diferentes...
A aflição e o orgulho (escondido) conjugavam-se...
Seriam melhores ou piores que aquelas que os pais de hoje vivem?
São tempos idos, que penso não voltarão mais, mas que nunca é demais recordar...
Recordá-los como você, meu bom amigo, muitíssimo bem fez...
O “Piolho” e até o “Aviz” são sempre referências...
Um abraço.

12:44 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Amigo Terra&Sal,o Aviz era realmente uma referência, mas o Nosso Café, mais tarde Mandovi, assim como o grupo do Cineclube, que muitos paravam por estas bandas,eram marcos importantes. Nestes e no Piolho, os jonais Répública, Diário de Lisboa e a revista Seara Nova, passavam de mão
em mão, para serem lidos.Nem todos tinham dinheiro para os comprar.
Gosto de recordar esses tempos, para me lembrar dos amigos.
Um abraço.

3:34 da manhã

 
Blogger Arauto da Ria said...

Caro Filipe Guerra,debite alguns dos caratéres dos milhares que era capaz de escrever, para nos deleitar com histórias desses tempos, sabe que sinto uma nostalgia muito grande e uma saúdade enorme dessa gente.
Tive a felicidade de conviver e aprender com essa gente desde os 14 anos, que grandes Mestres.
Um abraço.

3:46 da manhã

 
Blogger Migas (miguel araújo) said...

Meu caro Arauto
Em 68/69/70 tinha este seu amigo os relevantes 2-3 e 4 anos de muita idade.
Mas não pense que o associativismo estudantil apenas se reduz com o vosso notável esforço e combate. No final da dévcada de 70 e até meados da década de 80 também foi importante e, pelo menos bem vivido pelos lados do Liceu José Estêvão.
Eu sei que o vosso foi predominante. Mas também o foi pela realidade social-política e cultural que vocês viviam, à data.
No entanto, só pelos vossos relatos e pelas memórias escritas posso deslindar essa realidade.
Assim, só me vem à memória uma frase batida: Só perde quem não luta, mesmo que a luta significa derrota.
Um abraço

10:12 da tarde

 

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