QUASE DESERTORES...
No dia 26 de Dezembro de 1972, dois jovens irmãos, muito jovens, 20 e 22 anos, vagueiam sobre um frio cortante na Plaza Mayor de Salamanca, tinham passado a fronteira para o País vizinho clandestinamente e nessa altura já estavam na situação de desertores porque ambos serviam o exército Português. O mais velho estava na guerra na Guiné e o outro tinha sido mobilizado para Moçambique, os dois foram obrigados a interromper os seus estudos, por serem considerados uns agitadores perigosos e subversivos no liceu e na universidade, tinham passagens breves pelas prisões preferidas da PIDE/DGS, por acompanharem perigosos comunistas (nessa altura todos os opositores ao regime fascista eram comunistas) e terem sido encontradas literaturas proibidas nas suas residências. Nasceram com dois anos de difereça no mesmo dia, 29 de Dezembro, e os seus caminhos estavam a ser tão iguais que mais pareciam a sombra um do outro, tinham um amor, uma amizade e uma solidariedade tão grandes um pelo outro que o mais velho nem hesitou em pedir as suas férias, para evitar que o seu mano embarcasse no dia 6 Janeiro de 1973 para uma guerra tão estúpida, castradora e perigosa para a juventude dessa época. Estavam decididos a partir para Paris, tinham contactos de camaradas e amigos que os ajudariam a dar os primeiros passos nesta cidade e como muitos lá governariam a vida. Eram órfãos de pai, a mãe vivia para eles, nessa altura existia uma lei que dizia que uma mãe nestas condições não poderia ter mais que um filho na guerra colonial, mas apesar de se ter recorrido á lei, para esta mãe ela não se aplicava porque tinha que sofrer, por ter gerado e criado dois “comunistas”. Taciturnos, continuavam a caminhar no frio gélido da Plaza Mayor, que apesar de tão glaciar não arrefecia o calor dos seus corações e em unicíssimo gritaram:
E a MÃE..!
O mais velho tentou que o irmão seguisse viagem sozinho, argumentando que ele só tinha mais 8 meses para arriscar, enquanto o outro tinha pelo menos 2 anos de situações perigosas em que a sua vida poderia ser ceifada. O espectro duma despedida definitiva entre eles, provocou a desistência da deserção e o regresso a casa aonde a mãe sem saber de nada os aguardava com aqueles pressentimentos que só estas sentem, quando as suas crias correm perigo ou pressentem a sua perca.
Festejaram o aniversário e a passagem de Ano juntos, juntos continuaram todas as horas, até á despedida, sem dizerem à mãe que o mais novo já tinha o seu destino marcado.
O dia d, chegou, os irmãos despediram-se com uma lágrima no canto do olho, a mãe chorava os dois e não se cansava de repetir que sentia que tão cedo não os ia ver e o mais novo com o coração apertado simulou uma despedida de dias.
A guerra não foi mais forte do que eles, voltaram com marcas, mas voltaram.