Oficial encarregado de conferir e verificar os títulos de nobreza, de declarar a paz ou a guerra e de fazer proclamações solenes.

20070224

ATÉ UM DIA CAMARADA...

Quase trinta anos...tantos anos passados, mas da minha memória jamais se apagará uma célebre viagem a Setúbal. Saímos de madrugada, ainda não havia auto-estrada, eu como pendura inabilitado e desnecessário devido à minha tenra juventude, lá ia empolgado apesar da filas de carros e camiões, sem me pesar este longo caminho, pois sentia-me feliz por saber que iria conhecer e conviver com um mito, o meu ídolo. Passámos por Lisboa, pois o Fausto esperáva-nos em sua casa, aonde o encontrámos e acordámos de um sono rápido, seria suposto que o Zé Mário Branco estivesse com ele, mas o Fausto estremunhado disse-nos que o Zé viria com um amigo do Redondo directamente para Aveiro.Ficámos preocupados porque o Sérgio Godinho já nos tinha decepcionado com a recusa de vir á ultima hora, o Fausto entre um duche rápido e o vestir de umas calças e uma camisa, tranquilizou-nos dizendo que o Zeca nunca falha. Já na estrada a caminho de Setúbal o caminho foi longo, a ansiedade, a angústia e a incerteza eram dilacerantes para mim, não me lembra de ter aberto a boca ou ter esboçado um sorriso com as piadas joviais do nosso novo companheiro, este ia ensinando o caminho até que chegámos à casa do " Símbolo da Liberdade" (o homem das canções do meu pai, o poeta que tanto me encantava, o cantor que tanto me fascinava, o meu ídolo, que de tanto o ouvir desde criança já trauteava todas as suas canções, o homem da liberdade, da fraternidade e da igualdade que continua vivo na minha casa, pois os meus filhos adoram-no, porque a pedido deles adormeciam muitas vezes ao som das suas canções. O homem que marcou a história da cultura portuguesa, o homem livre que nunca se deixou amarrar por teias partidárias, o homem de causas e valores, o poeta, compositor e cantor, desprendido de bens materiais, que entregou a sua vida á cultura, à liberdade e à defesa dos mais desfavorecidos). O carro parou perto da sua casa, eu vi-o logo e exclamei, " está ali e vai embora...!", mas não, o Zeca passeava nervosamente junto à sua casa, o Fausto conhecedor do companheiro avisou, "está com o mau feitio...mas passa logo". As apresentações foram feitas, perguntou pelo Zé, dada a explicação, ficou satisfeito, pois a viagem assim seria melhor, brincou irónicamente com a ausência do Sérgio sem deixar de ser crítico, eu mantinha-me calado e incrédulo com o encontro, só pensava que iria viajar e privar com ele muito tempo e ainda ia ser brindado com a sua actuação ao vivo pela primeira vez. Era tempo de embalar a trouxa e zarpar, pois a viagem era longa, já na estrada e mais solto o homem dos "vampiros" vira-se para para trás e atira: "- Ó puto tambem já andas nisto?! "-Fiquei siderado e timidamente disse: "- Já senhor Zeca Afonso." "Senhor..! Ó rapaz nunca mais me trates por senhor, eu quero que sejas meu camarada e os camaradas, são camaradas, não têm idade e tratam-se sempre por tu." Galhofada geral, apesar de tudo senti-me emproado como um pavão e orgulhoso pensei no que ele me disse e fiquei a idolatrá-lo mais. A viagem passou num ápice, perto de Coimbra sugeriu que fossemos lá lanchar, anuímos e parámos, não tinha preferência por nenhum café, só o queria fazer na rua Direita.Já na mesa do café disse-nos que já não cantava em Aveiro desde o Congresso, que se sentia ligado á Cidade aonde nascera e que apesar de não ligar nada a futebol, ficava sempre contente com os triunfos do Beira.Estava feliz e expansivo, deliciou-nos com histórias da sua vida. Já em Aveiro depois de jantarmos, esperava-o o auditório da Gulbenkian apinhado de gente, todos eles eram estrelas, mas ele sem querer era a mais cintilante. Manuel freire, Fausto e Zé Mário Branco começaram a aquecer a plateia, estava a chegar a sua vez, nos bastidores dou com ele sentado no chão com convulsões, fico apavorado, tento pedir ajuda, o Fausto vendo a minha aflição, agarra-me fraternalmente e diz-me que é sempre assim antes das actuações, aconselha-me calma, mas fico intrigado porque ninguém faz nada, avisado que era a sua vez sobe para o palco e por magia tudo passa e solta a sua voz como nunca para gaúdio de todos. Foi um espectáculo memorável e um dia para mim tão cheio e gratificante que nunca na vida esquecerei. Fez ontem 20 anos que nos deixou com tanto e tão pouco, pois estou convencido que se durasse mais tempo muito mais vasta e rica seria a sua obra. A sua Cidade como já é habitual não se lembrou dele, quando todas as cidades o querem adoptar, estes esbilros que estão no poder, desprovidos de qualquer sentimento e de nível cultural, primaram pelo ostracismo. A diarreia mental de que padecem, não lhes deu visão para analisar que este homem, está acima de qualquer ideologia ou credo, foi um vulto de valores e honra seja feita a muitos democratas de direita, que não tiveram pejo e complexos de elogiar a sua obra e a sua personalidade. Mas esta direita no poder no nosso burgo, alem de asininos tem tiques saudosistas dos fascistas. Mas tu Zeca, que recusaste a Ordem da Liberdade, também não ias gostar de te ver laureado por esta espécie, ficarás muito mais feliz por saberes que o puto que conheceste da tua terra e tantos outros que beberam de ti alguns valores e são livres, não tem que dar explicações quando atiram à direita ou á esquerda em defesa da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Já são muitos como tu, que na hora de lutar e votar, o fazem no mal menor. ATÉ UM DIA CAMARADA.

23 Comments:

Blogger Paulo said...

Até um dia CAMARADA!!!!

12:04 da manhã

 
Blogger Pata Irada said...

Arauto

Linda essa homenagem que fazes com tão belas recordações.
Estou conhecendo Zeca Afonso somente agora.
Deve ter sido um garnde homem, por tudo que já li.
Conheci também algumas músicas suas como:
- O Que Faz Falta
- Venham Mais Cinco
- Grândola Vila Morena
- A Morte saiu à rua
- Canção de Embalar

Gostei demais dessa última música.

Dorme meu menino a estrela d’alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme quinda à noite é muito menina
Deixa-a vir também adormecer

Um beijo.

11:24 da manhã

 
Blogger RM said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:25 da tarde

 
Blogger filipe guerra said...

Olá Arauto!
Que sorte a sua por ter tido opurtunidade de conhecer pessoalmente tanta gente, como o José Afonso. Uma boa história sem dúvida.
Partilho a opinião que expressa, que reflecte a amargura de quem não vê respeitada a figura/imagem/obra de um aveirense pelos prórios avirenses(serão mesmo aveirenses?).
Até um dia arauto!

12:57 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Bela recordação. Mas do baú de onde essa saiu haverá certamente mais a merecerem ser contadas.
Raul Martins

1:15 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Eu que esta semana homenageei também o Zeca Afonso, fiquei profundamente emocionado com este significativo texto de grande qualidade, onde se fala igualmente de vários nomes de grandes músicos e de grandes homens, hoje banidos, talvez pela sua coerência. Zeca Afonso, Sempre! Parabéns e óptimo fim-de-semana.

6:16 da tarde

 
Blogger Maria P. said...

Excelente, fiquei arrepiada com a narrativa! Obrigada por esta partilha.

Boa semana*

11:31 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Cuidado que se do baú sairem muitas mais, podem envergonhar alguns soxialistas.
T´Contigo

11:19 da manhã

 
Blogger Al Berto said...

Este comentário foi removido pelo autor.

1:09 da manhã

 
Blogger Al Berto said...

Viva Arauto:

... tinha que aparecer aqui o ignóbil anónimo da praxe para estragar a "festa".

Adiante.

"... são camaradas, não têm idade e tratam-se sempre por tu."

Portanto uma boa semana para ti, camarada.
Um abraço,

NB: Depois avisa lá o anónimo que eu sou "soxialista"... mas lembra-o que já o era antes do 25 de Abril tal como o meu falecido pai... e que não quero que ele "esteja comigo"

1:12 da manhã

 
Blogger Unknown said...

Que surpresa maravilhosa amigo Arauto! Sabes que eu adoro Zeca Afonso?
Obrigada! Muito obrigada mesmo!
Até um dia Camarada!

Mil beijos

12:27 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Camarada,
O Mostardinha ficou apreensivo.
Já deste no Carlos Candal, vê lá no que temetes.
As moscas é que mudam. Nunca esqueças.
Anónimo

3:09 da tarde

 
Blogger Nuno Q. Martins said...

Este Arauto é uma caixinha de surpresas... :)

O executivo municipal passou ao lado da efeméride, mas tal facto não será de todo surpreendente.
Mais triste é ver que a "sociedade civil" também não se mexe... Cada vez mais o povo acomóda-se e espera que as coisas aconteçam... e assim a vida passa pelas pessoas e não as pessoas pela vida.

Parabéns pelo post.

4:00 da tarde

 
Blogger jorge esteves said...

Foi um acaso passar aqui. Ainda bem. Saio mais rico.
Obrigado por isso!

5:15 da tarde

 
Blogger Eärwen said...

Querido Arauto,
Venho agradecer tua passagem pelo meu espaço e as palavras carinhosas, como sempre.
E vejo que continuas afiado....
Pérolas incandescentes de puro carinho.
Eärwen
27.02.07

5:18 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Boa noite Arauto (da Ria),

Tenho passado por aqui mas talvez pela grande consideração e estima que nutro pelo meu amigo, não tenho deixado qualquer comentário. E hoje voltará a acontecer.
Amanhã, talvez amanhã.

Por hoje, vim apenas desejar-lhe uma boa noite.

11:05 da tarde

 
Blogger Movimento em Defesa do Rio Tinto said...

Está a começar o Ano Polar Internacional que visa promover o desenvolvimento da ciência nas regiões polares, mas também mostrar junto da sociedade a importância determinante que as regiões polares têm para a dinâmica e regulação climática do Planeta.
Visite-nos e veja se fará sentido participar na defesa de um pequeno rio, que fica algures, mais ou menos próximo do local onde vive?

6:07 da tarde

 
Blogger veritas said...

Olá!

Magnífica homenagem ao nosso conterrâneo. Magnífica homenagem a um homem honrado, honesto, empenhado em mudar o que o rodeava e pronto a lutar por aquilo em que acreditava.Um mundo melhor far-se-ia de homens assim...

Bjs. Boa semana.

7:16 da tarde

 
Blogger Pé de Salsa said...

Boa noite Arauto (da Ria)

Haja alguém conhecedor e "com valores que hoje ainda são os que eram ontem" para homenagear o nosso Zeca Afonso.

Muitos foram os que sobre ele escreveram mas muito há ainda a pesquisar e a contar. Mais uma vez, a cidade que teve a honra de o ver nascer, se esqueceu ou fez que se esqueceu (pensando assim não nos lembrarem do que não fazem), contradizendo a luta, o trabalho e a integridade do Zeca.

Entre muitos dos excertos escritos, deixo aqui um de Octávio Fonseca (músico, estudioso e divulgador da música portuguesa) e que diz o seguinte:

“José Afonso foge constantemente à banalidade.
Ele tem horror à simetria musical, ele gosta de ser irregular, tanto ao nível da interpretação como na composição.
José Afonso é injustiçado precisamente porque o reduzem a um cantor de intervenção. José Afonso é um cantor de intervenção, isto é indiscutível. É o nosso melhor cantor de intervenção, isto é indiscutível. Foi ele que projectou a música popular portuguesa para a linha da frente da luta contra a ditadura fascista. É indiscutível.
Só que ele é muito mais do que um cantor de intervenção. Mas muito mais. E, se calhar, a diferença entre o José Afonso e os Beatles ou o Bob Dylan está apenas no facto de ele ter nascido em Portugal. Entre 1962 e 1967 ele gravou 24 canções. Só 5 é que são canções de intervenção.
José Afonso é de facto um cantor de intervenção, mas é muito mais do que isso: é um grande músico e é, de facto, um dos músicos mais importantes da música popular universal e nós devemos ter orgulho disso.”

Pena é que "os que se dizem mais Aveirenses que outros" tenham deixado passar, mais uma vez, em data em branco.

Um abraço.

11:06 da tarde

 
Blogger Terra e Sal said...

Zeca Afonso será sempre uma referência para todos os portugueses, mesmo para aqueles que ele chicoteava com as suas canções.
É lamentável que vejamos nomes de figuras mais que duvidosas, espalhados por ruas, largos e becos da cidade e do concelho, e apenas tenhamos uma rua com o seu nome, inaugurada no mandato de Alberto Souto.

Um busto que narrasse para a posterioridade o homem que foi, seria sensibilizar as pessoas que não conheceram a opressão,conhecerem pelo menos melhor, o valor da liberdade.

É certo que teria sido gratificante para os Aveirenses ver ao menos da parte desta Câmara, uma homenagem a Zeca Afonso, na data da sua morte através de uma qualquer sessão cultural.

Mas gratidão e sensibilidades é outra coisa que esta gente na sua infinita escuridão, desconhece

Zeca Afonso viveu uma vida desassossegada a favor dos outros, mesmo até destes que agora tão maltratam os seus ideais da liberdade da igualdade e da fraternidade.

Por outro lado parece-me bem que, mesmo depois de ter desaparecido do nosso seio, a sua voz e as letras das suas canções, ainda consegue mexer com muita gente.

Sempre que o ouvem as suas consciências devem ficar incomodadas, porque ele chama-as pelos “nomes”.

Era lindo que a rádio passasse música portuguesa, e sublime, que de quando em vez confortasse os mais oprimidos com as músicas de Zeca Afonso que são discursos de esperança.

Já lhe prestei a minha singela homenagem no Código de Vivência, mas não é demais recordá-lo outra vez aqui, com o mesmo respeito e agradecimento.

Meu Caro Arauto:
Tenho um defeito muito grande. Quase esqueço que tenho um Blog, está para lá, todo desarrumado enquanto ando por aqui e por outros lados, a “vadiar” na vez de tratar da minha casa...
Mas que quer, cada um é “pró” que nasce.

Penso que o seu magnífico Blog, exterioriza sentimentos em que muita gente se revê.
Dê ao “Arauto da Ria” um e-mail. Crie-o e anexe, era capaz de ser interessante para si...
Fico à espera.
Um abraço

1:21 da manhã

 
Blogger Eärwen said...

Venho deixar uma pérola incandescente de carinho e saudade.
Eärwen
28.02.07

1:49 da manhã

 
Blogger david santos said...

Olá!
Obrigado por nos trazeres o nosso conterrâneo, Zeca!

É verdade, vamos ficar com menos um elemento no nosso Distrito. A nossa amiga "pé de salsa" vai abandonar-nos...

Abraços e cuidado, que esta derrota de Domingo é capaz de deixar marcas.

Abraços.

3:54 da tarde

 
Blogger o alquimista said...

Zeca Afonso...eternamente...!

Forte abraço

12:27 da manhã

 

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